domingo, agosto 27, 2006

Crime e Castigo - Fiodor Dostoiévsky

“Mulheres mortas a machadadas”
Ninguém sabe a causa e o autor do crime


Assim deve ter sido a manchete dos jornais de São Petersburgo no dia seguinte ao assassinato de Aliena Ivánovna e sua irmã Lisaveta. Duas “pobres” velhinhas. Calma aí, deixa-me desenvolver um pouco o fato para que certas ironias não atrapalhem o bom entendimento da narrativa.
Aliena Ivánovna era uma usurária (ou agiota, dependendo da tradução). Ela aceitava penhoras para ceder empréstimos a juros abusivos. O pior é que ela já cobrava os juros na hora de emprestar o dinheiro. Caso alguém pegasse um empréstimo de um rublo por um mês, e o juro fosse dez copeques, o adquirente do empréstimo levava o dinheiro com o juro já descontado. E sua irmã, Lisaveta, era maltratada por Aliena.
Assim aconteceu o crime: alguém bate à porta para pegar um empréstimo. Aliena abre a porta. Quando vai pegar o dinheiro em seu baú, é surpreendida por uma machadada na nuca. Sua irmã, ao testemunhar o fato, teve o mesmo destino. O mais extraordinário, fato que os jornais devem ter explorado e buscado explicações, é que o assassino não roubou o baú da usurária. Então qual a razão do crime?
O quê? Quem? Onde? Quando? Como? Por quê? Policiais e imprensa provavelmente instigantes quanto ao inusitado fato. Então me deixe ajudar os jornalistas da história e sanar a curiosidade do leitor que passa os olhos pela folha agora. É bom o gosto da onisciência...
Muitos estudantes param de estudar devido à falta de dinheiro. Largam a faculdade porque não têm condição de se manter e ainda desembolsar uma vasta quantia para o investimento em sua formação. Na Rússia do Século XIX, época do fato ocorrido, provavelmente não existia algum tipo de financiamento estudantil.
Posso, agora, falar de Ródia Ramanovich Raskolnikov. Raskolnikov é um estudante de direito que deixa os estudos pela razão citada acima: falta de poder para adquirir tal conhecimento. Trajando-se maltrapilhos, Raskolnikov não aparentava uma pessoa respeitosa (ou, arrisco, virtuosa).
Vou utilizar um pouco de meu recurso de onisciência para contextualizá-lo leitor, e, assim, permitir que compreenda um pouco melhor o porquê de certas atitudes e quando (se é que devemos) julgar um indivíduo.
Começo pela origem. A palavra Raskolnikov vem do Russo raskolnik, que significa dividido. Mais pra frente poderá fazer uma conexão com o que acabo de dizer, leitor. Ele é orgulhoso e ainda preside o caos em sua cabeça. Nosso amigo (estamos adentrando sua intimidade) vive um latente conflito interno, onde deve decidir se consegue ou não assumir os resultados causados por sua razão.
Quero deixá-lo ainda mais a par dos pensamentos de Raskolnikov. Você é privilegiado, leitor. Ródia Raskolnikov pensa que as pessoas que são fortes de verdade estão livres da responsabilidade moral, são extraordinárias. E ainda vê a moralidade como um recurso dos não-fortes (ordinários) para resistirem aos fortes que tudo podem.
Chegou a hora de amarrar esse estudante ao crime.
Nosso amigo decide provar que seu pensamento é coerente. Seu orgulho o diz extraordinário. Ele resolve cientifizar sua tese ao assassinar da velha Aliena Ivánovna. Por quê ela? Uma velha que tem muito dinheiro e não ajuda a ninguém, além de preferir deixar seu dinheiro para o governo caso morra a deixar para sua irmã que a ajuda em sua casa (pra quê eu daria uma versão desvirtuada para o comportamento de Aliena?). Os jovens, de futuro promissor, precisam mais de dinheiro do que uma velha que em breve morrerá!?!
Mas Raskolnikov é orgulhoso demais para sucumbir diante da fortuna. O que mais importa para ele é demonstrar sua extraordinariedade e a não-necessidade do dinheiro por parte da velha.
O problema de nosso ex-futuro advogado (ou juiz) é que ele já começa a pensar se será capaz ou não de cometer tal ato. Imagine o que ele falou nessa situação! “Meu Deus, como tudo isso é repugnante. Será possível que eu... Não! É uma loucura, um absurdo! Como pude ter tão horrível idéia? Pois eu seria capaz de semelhante infâmia? Isso é odioso, ignóbil, repugnante!... E, contudo, durante um mês eu...”. Vê que seu nome é sugestivo?
Mas você se lembra o que acontece, né? Num impulso, Raskolnikov comete o crime. Ele não usa o dinheiro roubado. Crime perfeito. Sem suspeitos. A velha morta, a testemunha (que não estava nos planos) também.
Mas nunca se está sozinho. Há sempre alguém que acompanha o indivíduo. Em um diálogo entre ambos... “Nós dois temos os mesmos defeitos. Somos suspeitos de um crime perfeito. Mas crimes perfeitos não deixam suspeitos.”
Como ele mata duas pessoas (uma má e uma boa), usa os dois lados do machado (o cego e o afiado), ele briga consigo mesmo (seu fantasma, consciência moral). Seus fins são éticos, seus meios não antiéticos. Podem os fins justificar os meios?
O castigo de Raskolnikov se encontra aí. Ele não é penalizado pela justiça, mas seu conflito mental promove dentro de sua cabeça uma guerra, a visão do próprio inferno. Ele que, a priori, se via um sujeito extraordinário, se confronta com sua consciência que quer mostrá-lo que ele não passa de um ser ordinário. O orgulhoso é torturado pelo arrependimento (culpa, medo, paranóia). O psicológico do crime.
Raskolnikov agiu por impulsão quando matou a usurária. Pensava que estava acima da moral humana, o que o levou a uma situação agonizante. É justo culpar o ex-estudante?
Mostro a você, agora, leitor, outro lado do pós-crime a partir de dentro de Raskolnikov. Ele, tenta se convencer que poderia pagar por seus atos ter a absolvição dada por sua consciência caso ele agisse de forma bondosa. Isso não alivia sua culpa e ele se sente sozinho com seus pensamentos. Culpem-no!!!
Lutamos contra nós mesmos, às vezes. Não sabemos porque fazemos algo. Certo ou errado? Ou tudo é relativo? Seguir uma regra moral ou não seguir? Quem mata: eu, meu fantasma, ou um terceiro eu? Por quê ajo como ajo, por que penso que faço o que é certo, por que ajo arbitrariamente frente ao pré-definido, ou não?
Pode responder, não haverá tal onisciência para sempre...

Carta

Aqui, hoje.

Você,

hoje estou à beira, à margem. Farei o que nunca houvera pensado. Passarei. Irei para onde não conheço e nem sei se vou gostar ou não. Só sei que... Se eu for não voltarei... Espero. Ao final desta carta posso te garantir que não direi adeus. Mas estou à beira, vou. Quero hoje, agora, me desfazer de tudo que tenho, teria, terei, tivera, tinha, e não. Quero falar oi, a você, amigo, mas por quê não está aqui, quando escrevi... esta carta? Não estaria lendo. Sei que não está com remorso. Sei que agora está rindo. Ao final desta carta não direi adeus. Foram legais os momentos que passei, passamos separados. Mas não te odeio. Se o odiasse não te escreveria. Está com medo? Não poderia te odiar, afinal de contas você é meu amigo, não é? Sei que respondeu, mas não precisava responder. Te amo. Não sei o que se passa aí, dentro do seu coração, ou cabeça, sei lá. Sei que quis brincar, quis fazer... sabe que nem sei? Mas é isso aí, disse que não terminaria com adeus. Acredite, sou seu amigo... Graças a Deus!!!

O alento de minh'alma

Ataca-me a indiferença
e mato-lhe no coração
Dou-lhe atenção
e tira-me a presença
Corro contra o tempo
e atiro-me rumo ao vento
Sento na indiferença
e levanto-me da atenção
Morro para o tempo
e solto-me em meio ao vento
Tento e não aguento
Vivo com e sem alento

sexta-feira, agosto 25, 2006

Concretizando o céu


Agora estamos
concretizando a poesia
Arrange-me tijolinhos
também para que eu
possa construir minha casa
Então arrancarei-me
da areia onde vivo
me mudarei para o céu
onde também
poderei fincar morada